Com a Reconquista da Península Ibérica pelos cristãos, os judeus passaram a temer pela sua sorte. Todavia, pelo menos em Portugal até meados do século XV, eles gozaram de relativa liberdade, embora tivessem de pagar impostos escorchantes.
Obtiveram grande destaque na vida pública portuguesa, como diplomatas, conselheiros reais, administradores, médicos, matemáticos, astrônomos, comerciantes e banqueiros (embora a maior parte da população judaica fosse composta de pessoas com profissões bem mais modestas, a saber, alfaiates, sapateiros, tecelões, pastores e pequenos comerciantes). Tal projeção começou a gerar descontentamento entre o povo, que sentia estar “a cristandade submetida à jurisdição judaica” (conforme queixou-se um frade em carta a Dom Afonso V). Tal clima de insatisfação generalizou-se e os judeus começaram a ser vítimas de perseguições e violência por parte de populares.
A situação na Espanha a partir de meados do século XIV já prenunciava o destino que esperava os judeus portugueses. Em Toledo, em 1355, 12 mil judeus morreram vítimas de perseguição religiosa; o número atingiu 50 mil em Palma de Mallorca, em 1391. Com o início das operações da Inquisição, ou “Santa Inquisição”, em 1478, o temor se espalhou entre os judeus da Espanha. Temendo pela própria sorte, milhares se converteram ao catolicismo, enquanto outro tanto buscou refúgio em Portugal. O volume de refugiados aumentou dramaticamente quando em 1492 foi decretada a expulsão dos judeus da Espanha.
A maioria dos fugitivos atravessou a fronteira para Portugal em busca de abrigo, mediante a licença de trânsito por oito meses atribuída pelo rei D. João II.
Esse grande contingente de milhares de judeus (93 mil segundo as contas do contemporâneo Andrés Bernaldez) fugitivos sem bens e dinheiro acirrou os ânimos dos portugueses.
Além da ira popular, os imigrantes tiveram de lidar com a esperteza de Dom João II, que vislumbrou uma oportunidade de lucrar com a desgraça alheia: o rei instituiu a cobrança de dois escudos por cada imigrante, para que pudessem permanecer em Portugal por oito meses.
Como ao fim do prazo de permanência os judeus não conseguiram sair de Portugal (não havia navios suficientes para transportá-los – ou assim foi dito), o rei ordenou que fossem vendidos como escravos. As crianças entre dois e dez anos foram tiradas de seus pais, batizadas e levadas para colonizar as ilhas de São Tomé e Príncipe, onde a maioria não resistiu às condições do clima.
Apesar disso, ainda vivem naquelas ilhas descendentes destes judeus, os quais, como prova de extrema resistência cultural, ainda conservam alguns costumes judaicos.
Com a ascensão de Dom Manuel I ao trono português, em 1495, os castelhanos escravizados foram libertados. Todavia, o casamento anunciado do rei com a princesa Isabel da Espanha colocou os judeus novamente em clima de tensão. Isto porque o contrato de casamento incluía uma cláusula que exigia a expulsão dos hereges (mouros e judeus) do território português, tal como os reis espanhóis haviam feito em 1492.
O rei Manuel I tentou fazer com que a princesa reconsiderasse (já que precisava dos capitais e do conhecimento técnico dos judeus para o seu projeto de desenvolvimento de Portugal), mas foi tudo em vão. Em 5 de dezembro de 1496, Dom Manuel assinou o decreto de expulsão dos hereges, concedendo-lhes prazo até 31 de outubro de 1497 para que deixassem o país. Aos judeus, o rei permitiu que optassem pela conversão ou desterro, esperando assim que muitos se batizassem, ainda que apenas pró-forma.
Os judeus, no entanto, não se deixaram convencer e a grande maioria optou por abandonar o país. O rei, ao ver cair por terra sua estratégia, mandou fechar todos os portos de Portugal – menos o porto de Lisboa – para impedir a fuga.
Uma vez que os judeus constituíam uma parte importante da elite econômica, cultural e científica do país, o rei queria evitar a sua fuga e concentrou no porto de Lisboa cerca de 20 mil judeus, esperando transporte para abandonar o território português.
Em abril de 1497 o rei mandou sequestrar as crianças judias menores de 14 anos, para serem criadas por famílias cristãs, o que foi feito com grande violência. Em outubro de 1497, os que ainda resistiam à conversão foram arrastados à pia batismal pelo povo incitado por clérigos fanáticos e com a complacência das forças da ordem.
Foi desses batismos em massa e à força que surgiram os marranos, ou cripto-judeus, que praticavam o judaísmo em segredo, embora publicamente professassem a fé católica.
Os “cristãos novos” nunca foram realmente bem aceitos pela população “cristã velha”, que desconfiava da sinceridade da fé dos conversos. Essa desconfiança evoluiu para a violência explícita em 1506, quando ocorreu o Pogrom de Lisboa. A peste alastrava-se na cidade desde janeiro, fazendo dezenas de vítimas por dia. Em abril, mais uma vez insuflados por clérigos fanáticos, que culpavam os “cristãos novos” pela calamidade, o populacho investiu contra eles, matando mais de dois mil deles, entre homens, mulheres e crianças.
Para os judeus portugueses, o Pogrom de Lisboa foi a gota d’água final. Iniciava-se nova diáspora judaica, tendo alguns rumado para o norte da Europa, onde fundaram comunidades nos Países Baixos e Alemanha. Outros se dirigiram para o sul da França, e até mesmo para a Inglaterra. Alguns judeus preferiram retornar ao Orientem Médio, tendo sido bem recebidos pelos turcos otomanos.
Os judeus portugueses também chegaram com os holandeses na capitania luso-brasileira de Nova Lusitânia, Pernambuco e, consecutivamente a toda região setentrional do Nordeste brasileiro entre os anos de 1630 a 1654. No Recife, capital da Nova Holanda, fundaram a primeira sinagoga das Américas, a Sinagoga Kahal Zur Israel, sob a direção do grande chacham Isaac Aboab da Fonseca, autor dos primeiros textos literários e religiosos escritos em língua hebraica nas Américas.
Com a reconquista portuguesa do Nordeste setentrional do Brasil, e a proibição de praticar o judaísmo, a comunidade dispersou-se, sendo que alguns voltaram para Amsterdã, outros migraram para outras colônias holandesas nas Américas do Sul, Central e do Norte, e uma parcela permaneceu, refugiando-se nos sertões, interior do nordeste brasileiro onde se converteram em cripto-judeus.
Em Nova Iorque, que foi colônia holandesa com o nome de Nova Amsterdã, chegaram do Recife um grupo de 23 judeus em setembro de 1654, onde fundaram a primeira comunidade judaica dessa cidade.
Embora a presença judaica no continente americano date de um século e meio antes da conquista da Companhia Holandesa das Índias Ocidentais ao Nordeste brasileiro, os judeus convertidos (cristão-novos) fizeram parte da expedição portuguesa que, sob o comando do capitão Cabral, “descobriu” o Brasil em 22 de abril de 1500.
Mesmo depois da abolição do Tribunal do Santo Ofício, em 1821, o cripto-judaísmo continuou a ser praticado em Portugal, em especial na Beira Interior, em Trás-os-Montes e em Belmonte.